MATRIARCALISMO: Importância e papel da presença da MULHER líder em um Terreiro de Candomblé
Para começar meu discurso faço uma indagação: Quem de vocês conhece alguma religião, em especial no Brasil, onde a mulher tenha maior destaque? Após anos de estudos, pesquisa vivências como Ialorixá, cheguei a conclusão que só a nossa: o Candomblé. Ela nos dá o direito de ocuparmos cargos do mais alto nível eclesiástico dentro da diáspora afro-descendente, o que para outras religiões é impossível, pelo menos até o momento. Como já falei em outro discurso, espero que isto comece a mudar nas outras religiões, pois vejo como uma grande discriminação, preconceito e injustiça a mulher ser relegada a segundo e até último plano, e não ter o direito de ocupar cargos de destaques nestas religiões. Se formos a uma igreja católica, por exemplo, com certeza notaremos um número bem maior de mulheres do que homens. Este fenômeno acontece em todas as religiões, pois pelo que observo a mulher tem uma natureza mais mística. E por que não podem chegar a ocupar níveis elevados na escala sacerdotal de suas religiões? É sabido que em algumas religiões muçulmanas as mulheres nem sequer podem ocupar o mesmo espaço de oração que os homens. Que Deus é este que discrimina seus filhos? Este com certeza não é o Deus que reverencio no Candomblé, o qual chamamos de Olodumare, de acordo com o idioma Iorubá, que em português é Deus, em inglês é God, etc, etc. Vejo estes fatos com muita tristeza, fico triste por estas mulheres que enchem as igrejas, servindo de escada para seus pastores e superiores e não se dão conta da discriminação que lhes atingem e, portanto, não reivindicam qualquer direito. Mas ao mesmo tempo me alegro quando vejo na maioria dos terreiros mulheres sacerdotisas passando para seus filhos de santo as normas e preceitos dos Orixás, e sendo acatadas pelos mesmos com amor e respeito, pois sabem que a Ialorixá é orientada pelos ancestrais divinizados e portadoras de muito Axé. Ao contrário do que acontece em outras religiões, no Candomblé a mulher é a grande sacerdotisa. Desempenham papel de grande importância em seu reduto e até na comunidade onde situa-se o terreiro. Algumas pessoas que não têm família ou que por algum motivo estão afastadas das mesmas se completam no Candomblé, onde acham apoio social. Assim, encontram na Mãe de Santo e todos da comunidade a sua família. No terreiro desde antigamente a auto-estima da mulher de Candomblé é e será sempre valorizada. Vemos por exemplo uma lavadeira ser chamada de senhora ou uma empregada doméstica ter aos seus pés toda a reverência da comunidade. Em qual religião se vê isto? Nossa religião dá ascensão social às mulheres, isto é fato. Em especial as Ialorixás, que muitas vezes são discriminadas pela família e pela sociedade e por causa da religião passam a ser mais respeitadas. As adeptas do Candomblé são acolhidas pela comunidade que as confortam, que as amparam. Para muitas o Candomblé chega a ser uma válvula de escape, onde elas podem expressar suas dores e sentimentos, pois sabem que a família de Santo irá acolhê-la, ampará-la, enfim, ajudá-la. O que mais me comove no Candomblé é a Solidariedade, o que falta em muitas religiões. No Candomblé a mulher vive o papel de mãe, mesmo aquela que não teve filhos biológicos, experimentam os sentimentos de dar proteção, educar, criar, isto tudo quando criam seus filhos de Santo. Pelo próprio dom materno ela se envolve mais. Conheço Ialorixás que não tiveram filhos biológicos e ao contrário do que muitos pensam são ótimas mães, no que diz respeito ao amor, a atenção que dão aos seus filhos espirituais. São verdadeiras mães para sua comunidade, acolhem a todos e promovem a união, a interação de forma que não tenha conflito ao seu redor. Não quero aqui deixar de reconhecer a figura do homem enquanto Babalorixá, pois conotaria discriminatório. Eles também reinam soberanos em suas comunidades, mas também não podemos esquecer que muitos saíram de Ilês onde o matriarcado é mantido e sempre será. Mesmo nos terreiros que são dirigidos por Babalorixás a figura feminina não deixa de ter seu papel de relevância. Como ser um líder de uma comunidade de terreiro sem a presença da Agibonã, a Iabassê, a Iamorô, a Ajimudá, a Iakekérê, as Ekedes, etc. Enfim, no Candomblé existem cargos ou até mesmo postos que só as mulheres podem ocupar. Portanto, vejo que por ter mais mulheres no poder, o Candomblé tem um discurso mais feminista que as demais religiões. Não quero de forma alguma obscurecer a importância do sexo masculino dentro da comunidade de terreiro, pois para nós todos são de suma importância, em especial para os atos ritualísticos, tais como Ogans, Alabês, Axoguns, seus Otuns e Osis, etc, etc. Mas por encontrarmos maior número de mulheres no terreiro, conseqüentemente mais cargos de relevância ocupados por elas. Sendo as mulheres herdeiras de uma tradição de poder feminino, as Mães de Santo reinam absolutas nos mais de 20 mil terreiros espalhados pelo Brasil. Não poderia deixar de lembrar também a disposição da mulher trabalhar pelo Candomblé e Orixás. Muitas delas têm filhos, marido, família numerosa, trabalham fora e ainda cuidam dos afazeres e responsabilidades que seu cargo dentro do Ilê lhe requer. Elas são verdadeiras abelhas em sua comunidade, trabalham incansavelmente para o bem estar de todos, em especial para os Orixás. A todas elas, de Abians a Ialorixás, minha benção e meu respeito. Que Olodumare, nossos ancestrais, nos deem força e fé para mantermos nossa tradição por muitos séculos.
Apresentação da Iyá Lúcia de Oxum (Omidewá), no V Seminário Nacional Candomblé Saúde e Axé, 22 a 24 de abril de 2005, Salvador/Bahia.
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